Livros

Eu podia voar…

Eu podia saltar de uma nuvem à outra, era como pular num colchão de mola.

Eu podia ficar do tamanho de uma pulga e pegar carona sobre a minha amiga joaninha vermelhas de bolinhas pretas, que morou por algum tempo dentro de uma caixa de fósforo do índio guarani. Depois decidi que seria melhor para ela morar no botão de rosa, que vi brotar na roseira que minha mãe tinha plantado na frente de nossa casa na Vila Vicentina, em Planaltina, uma das regiões administrativas do Distrito Federal.

Eu entrava nos redemoinhos dos ventos fortes de agosto e capturava sacis-pererês, tinha uma coleção deles presos em uma garrafa escondida em uma caixa de sapato no forro da casa onde morava, nunca ninguém descobriu. Até que um dia, estava refrescando com uma prima deitada no piso frio da nossa sala e, do nada, um canivete despencou de cima do teto do forro de ripas de madeira (era muito comum nas casas da época) e caiu entre nossas cabeças e a parede. Minha mãe, meu pai, todos ficaram impressionados, achando que teria sido algo sobrenatural. Não tive dúvidas: era a vingança dos sacis! Não pensei duas vezes, libertei-os e nunca algo assim aconteceu outra vez. Depois de muitos anos do ocorrido, o meu irmão Zezé (meu irmão mais velho), me confessou que foi ele que havia jogado  da cozinha o canivete para cima; a cozinha não era forrada e havia um vão que atravessava toda a extensão do forro que dava para a sala. Pensei com meus botões: podia ter sido a maior colecionadora de sacis-pererês se não fosse meu irmão…

Eu podia voar, mas nunca consegui nadar, aliás, até hoje não sei nadar, essa é uma das minhas frustações. Cheguei a engolir vários alevinos minúsculos ainda vivos, acreditando que assim conseguiria nadar.

As férias eram momentos muito esperado para nós três (eu, minha irmã Gê e meu irmão Zezé), todos íamos para a fazenda dos meus tios, no interior de Minas Gerais. Eu era a menor entre todos, muito magra, um fiapo de gente, era assim que um dos meus primos me chamava: fiapo de gente. Durante o dia, embreávamos nas matas, nos córregos, eu realmente detestava os pitstops nos poços mais fundo do rio que contornava parte da fazenda, afinal, não sabia nadar, portanto tinha que ficar sentada nas pedras molhando apenas o traseiro e as pernas magras nas águas rasas das margens do rio, brincando com os pedregulhos coloridos, enquanto todos iam nadar. Eu tinha pavor da possibilidade de me afogar, até que meu tio, vendo essa minha limitação, teve a grande ideia de fazer uma boia para mim, isso realmente foi muito legal da parte dele: com duas cabaças (ou porongo), algo parecido com um pequeno cisne com pescoço mais curto, eram amarradas pelos gargalos, sobrando um vão de corda na medida da minha cintura, não precisava de muita corda para tanto. Isso me proporcionou a possibilidade de entrar em lugares mais profundos do rio sem o risco de me afundar. Foi o máximo para mim, senti uma certa liberdade, mesmo atracada naquelas duas peças engraçadas.

Era uma delícia esperar a rotina do dia seguinte: o galo cantava; o cheiro de lenha queimando no fogão de barro tomava cada espacinho da casa; um prato de ágata branco cheio de biscoitos de queijo fritos em forma de anéis e dedos esperava por nós. Depois, novamente nos embreávamos na mata, agora eu tinha minha boia inseparável, nunca me esquecia dela, virou minha companheira em muitas férias. Só voltávamos na hora do almoço. Minha tia Maria era um anjo, fazia todas as nossas vontades, as vezes abusávamos da sua bondade, mas ela sentia prazer em nos ver felizes. Fazia bonecas de pano para mim, minha irmã e minha prima.  São tantas histórias da minha infância que teria que me dedicar a escrever um livro só para marrá-las, mas enfim, era muito feliz e não me dava conta.

Na verdade, sempre fui assim, apesar de a minha mãe contar que cheguei a chorar ainda dentro do seu ventre. Nasci lúdica, alegre, brincalhona, sempre maquinando a próxima manobra divertida. Mas algo também sempre me acompanhou e me incomodou muito: sofria pela dor dos outros, às vezes podia sentir como se fosse em mim, simplesmente essa era eu.

Não suportava violência, sentia náuseas ao ver crueldade. Essa sensibilidade sempre me incomodou muito, hoje consigo enxergar com mais distância e analisar a situação com cautela sem que me faça sofrer. Consegui canalizar essa energia por meio de pinturas, poesias e agora na literatura, essa última é onde me sinto realizada.

Eu também podia ver anjos e tive a sorte de viver entre eles: meu pai João Gomes, que já não está entre nós, resolveu bater suas asas por aí. Minha mãe Eva, de olhos de folha seca, sempre preocupada com a família, esqueceu de viver a própria vida. A tia Dita, meu anjo pequenino, irmã do meu pai, morava conosco, era minha segunda mãe; foi ela que me falou sobre capturar sacis com peneira e prender em garrafas. Contava-me muitas histórias. Lembro-me de deitar a cabeça em seu colo minúsculo; com sua pequenina mão, fazia cafuné na minha cabeça, enquanto contava sobre o seu passado. Eu realmente viajava com ela, me transportava para cada época narrada. Sem querer, a tia Dita e suas histórias fizeram nascer a magia na minha imaginação. Esses anjos humanos me ensinaram ética, bondade, humildade com dignidade. Agradeço imensamente ao Criador de Tudo por ter tido o privilégio de ter nascido entre eles nesta vida, neste enredo.

Eu realmente gosto disso: de viver em harmonia comigo mesma, com as pessoas, com o mundo. Sonho em transmitir o vírus da paz e poder contaminar todos com a vontade da paz, da harmonia, do amor, isso é possível, pois, dentro de cada um de nós, existe o princípio da perfeição. No fundo de cada alma, existe o desejo de apenas amar e ser amado.

Até há pouco tempo, não me sentia adulta, a minha criança estava sempre presente, mesmo depois do Achilles, meu filho, ter nascido. Na medida que ele ia crescendo, às vezes sentia que nossos papéis estavam invertidos. Ele cresceu muito rápido e, a partir de um certo momento, queria me proteger o tempo todo. Pelo fato de ser sonhadora e ter feito muitas manobras arriscadas, Achilles pensa que tenho mais sorte do que juízo, mas confesso que, embora tenha experienciado algumas consequências desagradáveis, não me arrependo de nada, estou viva, e isso é o que importa: estar viva! Estar pronta para mais aventuras, afinal, só por meio de nossas experiências, aprendemos os movimentos inerentes ao universo, a perfeição desse grande sistema consciencial.

Por um espaço de tempo, quando a tempestade se fez mais forte e o mar da minha vida se agitou, empurrei minha criança para fora do barco e, com ela, se foi também a magia. Isso foi uma péssima ideia! Literalmente me afoguei sem a minha criança. Foi sufocante, os dias se entristeceram e ficaram mais longos, escuros e sem sentido. Não me reconhecia… Pensava que, se escutasse a razão da minha mente e fugisse da voz do meu coração, tomaria o leme nas mãos e controlaria a vida; grande engano o meu; descobri que a vida não se controla, a vida é para ser vivida na abundância da alegria. Entendi que só com o espírito de uma criança é que nos entregamos realmente a ela. Descobri que podemos crescer e nos tornarmos adultos, mas, ao mesmo tempo, ainda sermos crianças, ter sonhos, imaginações, brincar na seriedade da vida adulta com responsabilidade, enquanto voamos na leveza da magia. Foi assim que entrei no mágico mundo de Best.

Hoje, por meio dessa obra, estou aqui propondo um movimento em favor da paz; desejo que todos que porventura venham a se identificar com o propósito da obra possam também ter o desejo de serem contaminados com o vírus da paz, deixando-o se instalar no interior de seus corações, e que contamine outros e mais outros corações, formando uma onda eletromagnética benevolente e harmônica em favor da paz.

Selma G. Santana

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